No tempo de Fernando Pessoa não havia células fotovoltaicas, nem linhas de alta tensão, muito menos, de muito alta tensão. Ainda assim, acabou com o nome associado àquela que ainda é anunciada como a maior central fotovoltaica do país, quiçá da Europa.
Para escoar tanta energia e apesar das justificações da REN de que toda a energia irá ser introduzida na rede e aí irá para onde calhar,é necessário uma nova rede. Assim é. Tanta é a energia produzida que será necessário construir toda uma linha nova, que irá ligar Ferreira do Alentejo a Sines.
Recentemente foi anunciado que a associação Protege Alentejo propôs uma providência cautelar com vista a parar os trabalhos de construção da linha electrica. Alguns dos fundamentos estão vertidos nas noticias que saíram nos vários órgãos de comunicação social. Mas há muito mais nesta história que os jornais não contam.
Vamos lá …
EIXO DA VERGONHA: A Alta Tensão de Vender a Terra por Migalhas
Há coisas que não se fazem. E há outras que se fazem por meia dúzia de euros o hectare, com IVA incluído e o silêncio como brinde.
Enquanto uns lutam nos tribunais pela suspensão de um projeto ecocida — o famigerado Eixo Ferreira do Alentejo – Vale Pereiro – Sines, a 400 kV — outros assinam contratos de cedência de terreno com a REN como quem vende a alma ao transformador. Literalmente. A troco de uns apoios (de betão, não financeiros), há quem tenha dito: “Cortem o montado. Mas deixem o depósito de gasóleo intacto.”
Os Judas da Alta Tensão
Não se trata apenas de ignorância. Nem de necessidade. Trata-se de conivência bem informada. Os contratos de servidão foram celebrados depois da Avaliação de Impacte Ambiental, depois das reservas técnicas, e depois da identificação clara de zonas REN, RAN, ZEC, ZPE e IBA. Mas, aparentemente, a leitura desses documentos causaria alergias severas — ou atritos com o lucro.
Esses terrenos que agora receberão torres metálicas como se fossem estacas num enterro rural... pertencem a pessoas. A vizinhos. A proprietários que preferiram a transferência bancária ao sobro, e a promessa de uma indemnização ao património biológico. C
Parcerias para a Devastação Sustentável™
Não nos iludamos: sem estas cedências “voluntárias”, o projeto teria de enfrentar expropriações. E isso implicava, imaginem, resistência. Em vez disso, temos adesão entusiástica. Temos reuniões com vinho e envelopes. Temos empresários agrícolas a fazer contas de cabeça à próxima captação de fundos do PRR para “reequipar” a herdade já eletrificada.
Um traçado que rasga mais do que território
A linha de alta tensão não corta só árvores. Corta vínculos. Corta confiança. Corta qualquer réstia de coerência entre discursos públicos de “sustentabilidade rural” e práticas privadas de venda do ecossistema por trocos. É difícil falar de proteção ambiental quando o vizinho de cima está a montar o apoio 127 no coração do montado.
Um negócio desequilibrado
Mas convenhamos: há quem ache que vender o campo é progresso. Que trocar um sobreiral por um corredor de 400 kV é “modernização energética”. Que a presença de espécies em perigo pode ser mitigada com... compensações. Uns hectares de mato plantado a eucalipto, claro.
Infelizmente, o ar fresco do Alentejo ainda não dá para pagar contas. Mas já vimos que a alta tensão pode dar para umas férias.
Para quem cedeu, fica a lembrança: o traçado também passa pela consciência. E essa, não tem cláusula de indemnização.