IGNORÂNCIA, FALTA DE VERGONHA OU UM DESRESPEITO TOTAL PELA AVALIAÇÃO DE IMPACTE AMBIENTAL?
... ou todas ao mesmo tempo?
A última semana foi fértil em noticias relacionadas com a dessalinizadora que, uns quantos, pretendem construir no Algarve, mais concretamente no concelho de Albufeira.
Ficamos a perceber que querem construir uma dessalinizadora mas não garantiram (ainda) os terrenos para dar execução ao projecto. Soubemos que apesar de os terrenos não estarem garantidos, avançaram com o lançamento de um concurso público internacional no valor de 90 milhões de euros para construção da dita dessalinizadora.
Suspeitamos - é quase uma certeza - que o licenciamento da parte do projecto correspondente à construção civil, da competência da Câmara Municipal de Albufeira, ainda não foi feita.
E tudo isto acontece sem que se saiba o resultado da avaliação de impacte ambiental. Sem que se saiba quais as condicionantes a que o processo terá que obedecer para se adequar àquilo que a APA entende ser aceitável de um ponto de vista ambiental. Condicionantes que têm que ser conhecidas por quem pretende concorrer à construção da dessalinizadora. E condicionantes que devem, obrigatoriamente, ser incorporados no processo de licenciamento da parte da construção civil.
Como pode explicar-se uma coisa destas ?
Como pode explicar-se que a dona da obra, a Águas do Algarve, S.A. actue, aparentemente, com tamanha ignorância, desde logo da preponderância e do carácter determinante do procedimento de avaliação de impacte ambiental sobre todo o desenvolvimento do processo de licenciamento e construção ?
Acho que a resposta é a seguinte, a Águas do Algarve S.A. não actua em ignorância. Sabe perfeitamente o que está a fazer. Antes, actua com uma completa falta de vergonha, com total desrespeito pelo procedimento de aprovação de uma obra desta envergadura e com tamanho impacte ambiental. E, obviamente, actua como se a avaliação de impacte ambiental e o seu resultado, fossem apenas um proforma, uma etapa legal que necessita ser ultrapassada, custe o que custar, como única forma de viabilizar o projecto.
Numa sessão pública organizada, não por quem devia esclarecer o projecto, mas pela Plataforma Água Sustentável (PAS), dois senhores, um da APA e outro do concelho de administração da Águas do Algarve, davam como um dado adquirido a aprovação do projecto. Nessa altura ainda estávamos na fase da discussão pública. Mal comparado é como saber o resultado final de um jogo antes deste terminar. Uma batota que inquina este processo, logo na fase de licenciamento.
Estamos convencidos que a ideia dos senhores das águas do Algarve com a mais que certa conivência da APA é criar um turbilhão de actos (administrativos) tornando dificil a reacção a este projecto. No entanto, tenho a ideia de que se vão enganar.
Vão-se enganar porque mostram que não respeitam a lei.
Vão-se enganar porque querem forçar uma expropriação mal amanhada e por valores ridículos, a quem não pretende vender o terreno.
Aqui cumpre informar que a Águas do Algarve está a tentar enganar todos os proprietários por onde terá que passar a tubagem que transporta a água do mar para a dessalinizadora e retorna com o lixo entretanto produzido.
Atentem na planta aqui em baixo. A linha roxa representa o sistema adutor, o mesmo é dizer, o sistema de captação da água. Essa tubagem passa por um conjunto de propriedades privadas. Posso dizer-vos que nenhum destes proprietários recebeu uma proposta de estabelecimento de uma servidão, acompanhada da respectiva compensação financeira. De modo mais simples, uma servidão funciona como uma autorização para que tubos passem por terrenos que são privados. Da mesma forma que quando uma dada empresa quer fazer passar cabos eléctricos por cima de uma propriedade, tem que contratar uma servidão com o proprietário desse terreno o que implica o pagamento de uma dada compensação.
Quer isto dizer que a Águas do Algarve S.A. quer fazer filhos em mulher alheia. Engana os proprietários dizendo que se trata “apenas” de uma vala para passar um tubo e que tudo será reposto, quando na realidade os proprietários têm o direito de ser compensados com essa passagem e caso não concordem com essa compensação, a Águas do Algarve terá que iniciar um processo de expropriação com toda a tramitação inerente.
A Águas do Algarve S.A. também irá enganar-se porque demonstra desrespeitar os cidadãos quando, nem uma sessão de esclarecimento foi organizada por forma a que quem estivesse interessado pudesse conhecer melhor o projecto e os seus impactes, mas também, eventuais benefícios. Afinal, nada como manter o pessoal na ignorância e quando se dá por ela temos as máquinas no terreno.
Vão-se enganar porque, como diz o povo, colocam a carreta à frente dos bois. Lançam concursos internacionais sem ter um único licenciamento assegurado; tentam expropriar sem saber se o projecto será aprovado,
Em suma, vão-se enganar porque o projecto de construção de uma dessalinizadora é um mau projecto e não vai resolver nada. Antes, vai criar problemas ambientais tremendos.
II.
Mas esperem lá. E se tudo isto, ou seja, o inicio de uma expropriação e o inicio de um concurso internacional para construção da dessalinizadora, estiverem a ser levados a cabo porque a Águas de Portugal S.A. tem garantida a aprovação ao projecto? Sabe que, independentemente dos impactes dos projectos, independentemente do resultado da avaliação de impacte ambiental, independentemente das condicionantes que venham a ser impostas, independentemente de tudo isto, o projecto está garantido.
Daqui poderão retirar-se consequências jurídicas?
Terá algum efeito no modo como um tribunal “olhará” para o procedimento de avaliação de impacte ambiental?
Uma coisa é certa. Um jogo viciado à partida deve e terá certamente consequências. A não ser assim, passaremos todos por parvos.