EXCLUSIVIDADE PARA QUE TE QUERO?
... ou de como se compromete todo um departamento de urbanismo de uma câmara municipal
Nota prévia:
O que vou passar a descrever é algo que se passa numa Câmara Municipal especifica. No caso, a Câmara Municipal de Portimão. No entanto, estamos certos, que o mesmo ou parecido, acontece em muitas outras Câmaras deste país, com prejuízo do interesse público, dos cidadãos e com prejuízo pelo funcionamento da administração pública que se deve pautar por princípios de transparência, verdade, imparcialidade, competência, boa fé.
Quando tomamos conhecimento das situações que passarei a descrever, o que há a fazer é a denúncia pública e o encaminhamento para as autoridades competentes para que avaliem a questão e retirem dela todas as consequências possíveis, esperando que essas mesmas autoridades não olhem para o lado, ou não façam pouco caso do que lhes está a ser apresentado. Quanto mais olharmos para o lado e quanto mais fizermos de conta que não é nada connosco, mais alimentamos um sistema que beneficia alguns mas prejudica quase todos.
Vamos directos ao assunto. Alguém que é director de um departamento de urbanismo e mobilidade de uma Câmara municipal não pode exercer quaisquer outras funções, públicas ou privadas, remuneradas ou não. É a isto que se chama o regime da exclusividade.
Porquê? Desde logo porque decorre da lei que impõe ao exercício de cargos dirigentes um regime de exclusividade. Mas também por uma questão de decência e transparência, desde logo porque ninguém pode estar dos dois lados. Não pode apresentar projectos e participar na sua aprovação.
Também não pode aproveitar-se ainda que de forma indirecta, do facto de ser dirigente numa Câmara Municipal para obter uma qualquer vantagem, nomeadamente, na obtenção de negócios para a sua empresa, ou para conseguir aprovações junto de outros departamentos técnicos.
Este regime da exclusividade nos órgãos dirigentes das autarquias acontece do mesmo modo que os juízes devem ser juízes em regime de exclusividade ou os titulares de cargos políticos, como vereadores ou presidentes de câmara não podem exercer determinadas actividades como, por exemplo, serem sócios de empresas de construção civil e já quando são vereadores, transferirem as quotas para testas de ferro para que ninguém dê por isso. Entretanto vão continuando a fazer os seus negócios.
Eu sei que é chato e desculpem estar a maçá-los com isto, mas a lei que define o estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos da administração central, local e regional do Estado, tem uma normazinha que nos ajuda a perceber a razão de ser do regime da exclusividade. Diz o artigo 4.º da Lei 2/2004 de 15 de Janeiro que aprova o referido estatuto:
Os titulares dos cargos dirigentes estão exclusivamente ao serviço do interesse público, devendo observar, no desempenho das suas funções, os valores fundamentais e princípios da actividade administrativa consagrados na Constituição e na lei, designadamente os da legalidade, justiça e imparcialidade, competência, responsabilidade, proporcionalidade, transparência e boa fé, por forma a assegurar o respeito e confiança dos trabalhadores em funções públicas e da sociedade na Administração Pública.
É a lei e tenho a certeza (mais ou menos) que esta norma é aplicada e respeitada na maioria dos municípios deste país. Na maioria das autarquias deste país os cargos dirigentes são exercidos em regime de exclusividade.
Mas também estou certo de que não é isso que sucede em Portimão. Em Portimão o Sr. licenciado Ricardo José da Conceição Tomé não exerce o cargo de director do departamento de gestão urbanística e mobilidade em regime de exclusividade.
Antes de prosseguir, queria deixar claro que tudo o que aqui se vai seguir é escrito com base em documentos, públicos e como tal, acessíveis a qualquer pessoa. Isto para dizer que não vou especular, muito menos inventar o que quer que seja.
No dia 17 de Março de 2010 nasceu a sociedade comercial unipessoal denominada RT Geo Planeamento e Ordenamento do Território Unipessoal Lda com sede em Silves.
O capital social desta sociedade é de €5000,00 titulada através de uma quota desse mesmo valor.
Essa quota está titulada em nome do único sócio dessa sociedade, o Sr. Ricardo José da Conceição Tomé.
Essa sociedade tem como objecto social:
1) Coordenação e elaboração de: Instrumentos de gestão territorial (planos de ordenamento do território em diversas escalas); Estudos e projetos sobre condicionantes ao uso do solo; Estudos de conflitos de usos e melhores localizações para atividades ou funções, usos e potencialidades de utilização do território; Planos estratégicos de desenvolvimento territorial, Agenda 21 Local; Estudos e projetos sobre fenómenos perigosos incluindo perigosidade e riscos naturais, tecnológicos e mistos; Estudos, planos e projetos urbanísticos incluindo caracterização, desenho e requalificação urbana; Estudos e relatórios sobre avaliação ambiental de planos e programas/Avaliação Ambiental Estratégica; Planos, estudos e projetos sobre transportes, tráfego, mobilidade e segurança rodoviária; Planos, estudos e projetos sobre acessibilidades e mobilidade para todos; Planos, estudos e projetos sobre turismo, turismo acessível, Estudos de impacte ambiental/avaliação de impactes ambientais; Planos, estudos e projetos ambientais; Estudos aplicados de caraterização e análise física do território, incluindo climatologia geral, climatologia urbana, geomorfologia, geologia, litologia, hidrologia, hidrogeologia, hidráulica, sismo-tectónica, cheias e inundações, instabilidade de vertentes/movimentos de terreno, erosão hídrica do solo, ocupação e uso do solo, paisagem e outros afins; Estudos aplicados de caraterização e análise demográfica e socioeconómica do território e do património cultural, social, arquitectónico, arqueológicoe paisagístico; Estudos, projetos e planos relativos a redes de transporte, comunicações, águas, saneamento, resíduos urbanos; Estudos, planos e projetos de toponímia, numeração de polícia e sinalética de referenciação e orientação geográfica; Estudos, planos e projetos sobre paisagem; 2) Levantamentos de terreno nas áreas enunciadas, incluindo elaboração/aplicação de inquéritos e entrevistas, levantamentos urbanístico-funcionais; 3) Produção de cartografia, incluindo produção de cartografia temática de base topográfica; 4) Desenho, implementação e desenvolvimento de sistemas de informação geográfica; 5) Dinamização de fóruns e dinâmicas de auscultação de atores locais; 6) Consultoria, gestão de projetos e formação aplicada nas áreas de especialidade.
A administração e representação da sociedade está a cargo de um gerente, nomeado pelo sócio único, sendo que desde a sua constituição o gerente desta sociedade é o Sr. Ricardo José da Conceição Tomé.
Recentemente, mais concretamente a 16 de Junho de 2023, o Sr. Ricardo José da Conceição Tomé declarou “ Que é o único detentor do controlo efectivo da sociedade”
A sociedade RT Geo Planeamento e Ordenamento do Território Unipessoal Lda obriga-se e sempre se obrigou com a assinatura de um gerente e esse é e sempre foi o Sr. Ricardo José da Conceição Tomé.
No dia 3 de Janeiro de 2022 é publicado em Diário da República o Aviso n.º 2074/2022 no âmbito do qual a Sr.ª Presidente da Câmara Municipal de Portimão, Dr.ª Isilda Varges Gomes procede à nomeação, em comissão de serviço, para o cargo de director do departamento de gestão urbanística e mobilidade, do Sr. Ricardo José da Conceição Tomé.
Do currículo profissional constante daquele aviso consta entre outros que:
A 13 de Novembro de 2007 até 10 de fevereiro de 2014 foi foi nomeado em comissão de serviço, no cargo de Chefe da Divisão de Planeamento do Território e Informação Geográfica, do Município de Silves, cessando a comissão de serviço, pela verificação do seu termo, em 13 de novembro de 2013, tendo permanecido em exercício das funções de Chefe da Divisão de Planeamento do Território e Informação Geográfica, em regime de gestão corrente, até 10 de fevereiro de 2014.
Em 20 de julho de 2015 o Sr. Ricardo José da Conceição Tomé foi nomeado como coordenador técnico dos trabalhos de revisão do plano director municipal de Silves.
Não consta do currículo profissional do Aviso n.º 2074/2022, mas devia constar, que no dia 6 de Agosto de 2015 o Sr. Ricardo José da Conceição Tomé na qualidade de sócio gerente da sociedade RT Geo Planeamento e Ordenamento do Território Unipessoal Lda, contratou com o Município vizinho de Silves, o Município de Lagoa, por um valor de €74.000,00 a “equipa para elaboração da revisão do plano director municipal de Lagoa”.
Em 18 de Fevereiro de 2016 a mesma empresa e pela mão, mais uma vez, do Sr. Ricardo José da Conceição Tomé, contratualizou com o Município de Alcácer do Sal, pelo valor de €74.000,00 a revisão do respectivo plano director municipal.
E em 6 de Março de 2017, a empresa RT Geo Planeamento e Ordenamento do Território Unipessoal Lda, pela mão do seu sócio gerente Sr. Ricardo José da Conceição Tomé contratualizou com o Município de Portimão, por um valor de €11.760,00, uma aquisição de serviços para elaboração da reserva ecológica municipal no âmbito do processo de revisão do PDM de Portimão.
Estas são algumas das contratações em que a RT Geo Planeamento e Ordenamento do Território Unipessoal Lda foi parte e que ocorreram entre 4 de Outubro d 2010, meses depois de ser constituída, com a contratação da elaboração da agenda 21local e das bases estratégicas de desenvolvimento do concelho de Viana do Castelo, e 8 de Janeiro de 2024 com a execução dos trabalhos inerentes à elaboração da revisão do plano director municipal do Município da Vidigueira, pelo valor de €74.950,00.
Como é fácil de perceber, tudo o que até agora se disse é factual e facilmente comprovável através de uma simples verificação de documentos na posse do registo comercial, no Diário da República e no portal Base.
A partir daqui tentaremos retirar algumas conclusões.
Mas, antes disso, duas informações. A primeira é a de que internamente, através dos departamentos dos serviços jurídicos e recursos humanos da Câmara de Portimão, estes declararam a acumulação de funções (públicas e privadas) do Sr. Ricardo José da Conceição Tomé, incompatível com o exercício de um cargo público; a segunda informação é a de que a CCDR Algarve parece ter uma posição diferente. Talvez convenha dizer neste momento que a própria CCDR Algarve é cliente da RT Geo Planeamento e Ordenamento do Território Unipessoal Lda.
Pedimos a ambas as entidades, Câmara de Portimão e CCDR Algarve, os respectivos pareceres a propósito da vida profissional e da acumulação de funções do Sr. Ricardo José da Conceição Tomé.
Quanto a conclusões.
A grande conclusão é a de que, enquanto gerente da sociedade RT Geo Planeamento e Ordenamento do Território Unipessoal Lda, o Sr. Ricardo José da Conceição Tomé foi titular de cargos dirigentes em duas autarquias, Silves e Portimão.
Enquanto era titular de um cargo dirigente , o Sr. Ricardo José da Conceição Tomé, através da sociedade de que é o único sócio e gerente, a RT Geo Planeamento e Ordenamento do Território Unipessoal Lda, obteve contratos, entre outras com a Câmara Municipal de Lagoa, Câmara Municipal de Portimão, Câmara Municipal de São Brás de Alportel e, cá está, Comissão de Coordenação da Região do Algarve.
Em 2017 a RT Geo Planeamento e Ordenamento do Território Unipessoal Lda contratou com o município de Portimão a elaboração da REN Municipal no âmbito do processo de revisão do PDM, o mesmo processo de revisão hoje dirigido pelo Sr. Ricardo José da Conceição Tomé, mas agora na qualidade de director de departamento da gestão urbanística e da mobilidade.
Nada como estar dos dois lados, não ao mesmo tempo, mas ainda assim violando claramente os princípios gerais da ética consagrados no artigo 4.º do já mencionado estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismo da administração central.
Haveriam (e haverão) mais conclusões desta estória de desprezo pela lei e pelo regime da exclusividade no exercício de cargos públicos, mas por agora votaremos ao porquê da importância da exclusividade.
A exclusividade significa que alguém está apenas e tão só do lado do serviço público, pugnado apenas pelo interesse público.
A exclusividade significa que ninguém pode ser juiz em causa própria, nem que seja ano depois.
A exclusividade significa que ninguém pode aproveitar-se de um cargo publico que ocupa para conseguir negócios para uma empresa de que é o único responsável.
Exclusividade significa estar efectivamente ao serviço, estar presente, não fazer umas horas e, logo de seguida, ir tratar da vidinha para outros lados, não ganhar dinheiro enquanto entidade privada, usando o tempo do serviço público.
Exclusividade é uma decorrência da ética e esta implica respeito de valores e princípios da actividade administrativa consagrados na constituição e na lei como a legalidade, a justiça, a imparcialidade, a competência, a transparência e a boa fé.
E tudo isto para quê?
Para assegurar o respeito e a confiança dos funcionários.
Quais?
Os da autarquia e muito concretamente aqueles que estão sob a direcção do Sr. Ricardo José da Conceição Tomé.
Mas também para assegurar o respeito e a confiança da sociedade, no fundo de todo nós.
Ou muito me engano ou o Sr. Ricardo José da Conceição Tomé não tem, nem o respeito, nem a confiança dos seus funcionários. Nem deve ter o nosso respeito, muito menos a nossa confiança.
Epílogo
O PDM de Portimão está em revisão há muitos anos em processo de revisão.
O actual director do departamento de gestão urbanística participou enquanto sócio gerente da sociedade RT Geo na definição do regime da reserva ecológica do concelho de Portimão e nessa medida não tem quaisquer condições de imparcialidade para gerir o procedimento de revisão do PDM de Portimão.
Deverá ser averiguado se o Sr. Ricardo José da Conceição Tomé não terá usado os cargos de chefe de divisão de planeamento do território e informação geográfica do Município de Silves (207-2014) e de director do departamento de gestão urbanística da Câmara de Portimão (2022 - até à actualidade) para conseguir negócios para a empresa da qual é o único sócio gerente.
Tudo o que está exposto neste post é do conhecimento da Sr.ª Presidente da Câmara Municipal de Portimão e do Vereador Vasco Gâmboa.
Em face da gravidade dos factos aqui descritos apresentamos junto do Ministério Público junto do tribunal administrativo de Loulé um pedido de verificação da legalidade de toda a situaçaõ, questionando-se de a actual violação do regime da exclusividade se poderá manter.
Sem prejuízo do pedido que fizemos ao Ministério Público entendemos que a violação da exclusividade é fundamento para dar por finda a comissão de serviço.
Percebemos que nem a Dr.ª Isilda Gomes, nem o vereador Vasco o façam porque, mesmo na posse de todos os factos aqui descritos nada fizeram para repor a legalidade num dos mais importantes camarários.
Continuará a dominar a ilegalidade na Câmara de Portimão.