ESTAMOS A OLHAR PARA O SITIO ERRADO
ou de como se faz a ligação entre as mega centrais fotovoltaicas e os projectos do Data Center e do Hidrogénio Verde
Assim de repente, ou nem tanto, o Alentejo transformou-se, de uma região periférica para uma região exportadora de energia proveniente do sol, região onde podem encontrar-se projectos fotovoltaicos de grande escala e que, de tão grandes que são, dependem da expansão e do reforço da rede elétrica para levar a energia produzida onde é mais necessária, ou melhor, onde se encontram os maiores consumidores. E é aí que entra Sines. Mas já lá iremos...
É no Alentejo que podemos encontrar projectos que já injectam energia na rede como é o caso da Akuo Energy com 181 MWp de capacidade e que se estende pelos concelhos de Monforte, Borba e Estremoz. São cerca de 336 mil painéis fotovoltaicos a injectar energia na rede desde 2024.
Há outros projectos verdadeiramente emblemáticos pela dimensão, pela energia que se propõem produzir e pelo impacte na infraestrutura já existente. Um bom exemplo é o da denominada Central Fotovoltaica THSiS que anuncia uma potência instalada de 1200 MW, afirmando ser a maior central solar da Europa e a quinta maior do Mundo. Só esta infraestrutura obriga a um reforço na infraestrutura electrica existente, dado que a Sul do país a rede electrica está completamente saturada face à potência fotovoltaica atribuída à região.
Os 1200 MW de capacidade na Central fotovoltaica THSiS obrigarão à construção de um novo eixo de muito alta tensão Ferreira do Alentejo - Vale Pereiro - Sines a 400 kV. Aqui se inclui a construção de uma nova subestação em Vale Pereiro e novas linhas duplas a 400kV ligando a Sines e a Ferreira do Alentejo.
Vamos agora até Sines, antes conhecida pela refinaria petroquímica e pelo porto de águas profundas, transmuta-se num centro de megaempreendimentos "verdes" e digitais.
O Centro de dados Sines 4.0 com uma capacidade de 1,2 GW de TI (capacidade para os servidores suportarem a carga de trabalho) cujo primeiro edifício já entrou em funcionamento, é prova desta transformação.
O projecto é anunciado como sendo 100% alimentado por energia renovável e arrefecido com água do mar, reduzindo assim o consumo de água doce, gerando, no entanto, outros problemas ambientais, muito relevantes e pouco estudados. Veremos isso mesmo mais adiante.
Este projecto irá necessitar de enormíssimas quantidades de energia, qualquer coisa como 4,770 GWh/ano, isto quando atingir a sua capacidade máxima o que equivale a quase 20% de toda a energia renovável produzida em Portugal durante o ano de 2022 e mais do dobro da energia solar produzida no mesmo ano.
Não por acaso este foi um projecto declarado como projecto de interesse nacional (PIN), essencialmente, para agilizar o licenciamento e foi projecto que conseguiu garantir com uma rapidez assinalável, acesso à rede elétrica nacional. A REN foi muito rápida a instalar duas novas linhas a 400kV até Sines e reforçou a subestação local, tudo para fornecer energia elétrica aos novos projectos.
Depois temos os vários projectos de produção de hidrogénio verde…
O GreenH2Atlantic que requer 100 Mw de eletrolisadores; o GalpH2Park que prevê uma unidade de 100 MW de eletrolise; o MadoquaPower2X, talvez o mais ambicioso, que prevê utilizar 560 MVA de electricidade renovável e numa segunda fase prevê utilizar 1400 MVA de potência electrica. Tudo para produzir, na fase, 50 mil toneladas de H2 e 300 mil toneladas de amoníaco por ano. O dobro disto, na fase 2.
A expansão portuária, nomeadamente, a expansão do terminal de contentores existente (Terminal XXI) ou a construção de um novo terminal, ou ainda, o prolongamento do molhe a leste para albergar as novas infraestruturas.
Embora não sejam grandes consumidores de energia a expansão do porto de Sines é fundamental para fazer sair do país os combustíveis verdes produzidos (amónia, hidrogénio liquefeito e combustíveis sintéticos). Mas também para acolher os novos equipamentos e os “data cables" que vêm do outro lado do Atlântico.
Em 2021 chegou a Sines o EllaLinka, directamente de Fortaleza, no Brasil num percurso de 6000Km.
Mas também há outras infraestruturas previstas para Sines e que necessitam doses maciças de energia como uma fábrica de produção de biocombustíveis avançados, através de um consórcio entre a Galp e a Mitsui e uma fábrica de processamento de lítio.
Em suma, Sines vira costas ao petróleo e ao carvão e abraça a economia digital e o hidrogénio, tudo ancorado num porto em crescimento.
Chegados aqui já estamos em condições de retirar a primeira conclusão.
O que está a acontecer no Alentejo interior e os projectos de Sines que acabamos de elencar, é algo intencional e crescente, com uma multiplicidade de entidades envolvidas ... menos as populações de ambos os locais, Alentejo interior e Sines.
Para que esta sinergia possa ocorrer, vários mecanismos têm de estar previstos e preparados.
A rede electrica deve estar reforçada e aqui a conclusão das linhas a 400kV até Sines é fundamental para canalizar a produção dos parques solares para os vários projectos de Sines.
Sines desligou a Central a carvão que tinha capacidade para produzir 1200MW. Obviamente que esta “lacuna” deve ser preenchida, através de geração de energia renovável proveniente de centrais fotovoltaicas como a Central THSiS.
Não há uma ligação directa entre os campos alentejanos de painéis solares e os variados centros de consumo, mas o reforço da rede electrica, já concretizado pelo REN, assegura que haverá energia disponível.
Ao reforço da rede junta-se os contratos de compra de energia verde (PPA's).
Por exemplo, o campus de dados Sines 4.0 anuncia ter acesso a energia 100% renovável 24horas por dia. Mas isso só acontece se a Start Campus celebrar vários contratos de longo prazo com produtores de energia eólica e solar. Ou seja, o que se verá nos próximos tempos é uma ligação comercial muito estreita entre as novas centrais fotovoltaicas e o centro de dados.
No caso da produção de hidrogénio verde as coisas são um pouco diferentes. Por exemplo, a MadoquaPower2X tem previsto desenvolver os próprios parques solares e eólicos, dedicados a produzir energia para as suas unidades de produção.
Outros projectos de produção de hidrogénio passarão por parcerias com empresas de produção de energias renováveis como a EDP Renováveis ou a Iberdrola.
Também haverá utilização de energia produzida localmente, em Sines ou muito perto. É o caso da Central fotovoltaica prevista para o Cercal do Alentejo e Morgavel e que vão alimentar a zona industrial de Sines.
Em termos gerais a ideia que parece estar subjacente a estes projectos é o alinhamento temporal e geográfico entre produção solar e as necessidades dos vários projectos.
Durante o dia a energia fotovoltaica em excesso na rede serve para produzir hidrogénio (armazenável), bem como para as cargas do data center.
À noite ou em picos de procura, outras fontes de energia renovável entram em acção (como a eólica).
Tudo isto tem um caracter prioritário, dado pelo Governo português e coordenado pelo sector das infraestruturas. A ideia tem sido aproximar produtores de energia e indústrias consumidoras.
Mas fica sempre alguém de fora.
O data centre de Sines 4.0 é PIN. Mas a obtenção do estatuto não veio sem polémica e, há quem diga, com crime à mistura.
A pressa em ligar o projecto à rede electrica nacional motivou o surgimento de pressões junto da REN. Esse é uma das vertentes do processo Influencer.
Com ou sem crime o que é facto é que há uma parceria, ainda que sub-reptícia, entre o Estado, a REN e os investidores, tudo com o objectivo de casar a oferta com a procura de energia renovável.
Já o hidrogénio é elevado ao grau de estratégia nacional. Existe uma estratégia nacional para o hidrogénio que em 2020 já destacava o "projecto de Sines" como uma oportunidade estratégica.
Há também aqueles que estão dos dois lados, ou seja, do lado dos projectos de Sines e do lado da produção de energias renováveis. É o caso da EDP que fazendo parte do consórcio do hidrogénio também opera na área dos parques solares sendo um dos maiores operadores do país, quer no solar como no eólico e podendo direccionar energia produzida no solar e no eólico para o projecto do hidrogénio.
O Start Campus é financiado pelos investidores internacionais Davidson Kempner e Pioneer Point que fizeram ou vão fazer parcerias com produtores de energias verdes.
Apesar de não ser publico não seria surpreendente descobrir terem sido assinados contratos com algum dos produtores da energia solar das redondezas. E a proximidade faz adivinhar um acordo entre a Start Campus e a Iberdrola / Prosolia para usar a energia produzida pelo megaparque solar Fernando Pessoa no concelho vizinho de Santiago do Cacém.
Outro caso em poderemos ver parcerias entre o projecto de hidrogénio e a produção solar é a Madoqua. Lembram-se que esta empresa, em conjunto com a CIP dinamarquesa e a Power2X holandesa pretende usar numa primeira fase, 560MVA de electricidade renovável, escalando para 1400MVA. Isto é muita energia "limpa" e que vai implicar, obrigatoriamente, ou a associação de produtores já existentes ou a criação de uma subsidiária própria para a geração de energia fotovoltaica e/ou eólica.
Mas o que motiva tudo isto?
A descarbonização e o plano nacional de energia e clima 2030 (PNEC2030).
Portugal assumiu no PNEC 2030 metas muito ambiciosas no que respeita a descarbonização. 47% de fontes renováveis no consumo final e vários gigawatts adicionais de solar e eólica instalados. Essa transicção só se fará com a substituição das fontes fosseis por fontes renováveis. É por isso que a Central a carvão de Sines foi encerrada em 2021 e o Alentejo passou a ser considerado crucial para a transicção.
Outra das preocupações que parece estar na base desta sinergia entre os projectos do litoral (Sines) e a produção de energia mais para o interior do Alentejo é a utilização de energia sem desperdício. Por um lado, Sines tem projectos mega intensivos em termos energéticos o que permite a utilização total da energia produzida nas centrais fotovoltaicas e no eólico. Digamos que poderemos estar em presença de um ecossistema perfeito. Geração de energia renovável no interior alentejano e utilização e armazenamento no litoral.
Outro factor a ter em conta é a estratégia nacional do hidrogénio (EN-H2) aprovada em julho de 2020 e que tenta afirmar Portugal como produtor e exportador de hidrogénio verde. Mais à frente no tempo, lá para 2050, o objectivo será usar o hidrogénio para descarbonizar redes de gás e industriais.
Outra conclusão a que podemos chegar é que de que sem produção de energia renovável não haverá hidrogénio verde.
Quem são os protagonistas desta ligação entre os projectos de Sines e a produção de energia fotovoltaica?
Desde logo as empresas de produção de energias renováveis como a Iberdrola/Prosolia com a sua futura central para produção de 1200MW.
A EDP renováveis;
A Galp que tem vindo a fazer aquisições na área do solar tendo já um portfólio considerável.
Outras como a Sunshinning, Enel GreenPower a Voltalia, entre outras.
A REN, responsável e peça central na gestão da rede elétrica nacional e peça central na construção de novas subestações e reforçando e construindo novas linhas elétricas.
O Governo, principalmente através do Ministério do Ambiente e da Acção Climática e o Ministério da Economia que definem a estratégia, atribuem o estatuto de PIN, aceleram licenciamentos...
A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) que faz avaliação de impacte ambiental de cada projecto;
A AICEP (agência do investimento) que através da AICEP Global Parques faz a gestão da zona industrial de Sines, capta investimento e promove sinergias.
Ao nível regional temos a CCDR Alentejo que tem estado completamente alinhada com a instalação de megaparques fotovoltaicos no seu território de influência, assim como os municípios de Santiago do Cacém, Sines e Ourique, cuja intervenção tem sido mais no sentido de pedinchar contrapartidas do que a avaliar o real impacte destes projectos nos respectivos municípios e actualizando os respectivos instrumentos de gestão territorial por forma a acolherem esta nova realidade da melhor forma possível em beneficio do seu território e das suas populações.
Finalmente e como grandes protagonistas destes projectos temos os promotores.
A Start Campus uma empresa luso-americana que lidera o projecto dos data centers e conta com investimentos financeiros internacionais muito substanciais.
O consórcio H2Sines/GreenH2Atlantic constituído pela EDP, a Galp, a Engie, a Bondalti, a Martifer, a Vestas numa combinação de utilities, indústria química e fabricantes de tecnologias, tudo com o objectivo de produzir H2.
Novamente a Galp, que também investe com outros parceiros como a Mitsui para produção de biocombustíveis.
O consórcio MadoquaPower2X que integra a startup portuguesa Madoqua, a sociedade de investimento dinamarquesa CIP e a holandesa Power2x.
Temos ainda a NeoGreen e a Repsol.
Finalmente temos os fundos de investimento ou os bancos como o BEI (banco europeu de investimento) que financiam projectos de produção de biocombustíveis e hidrogénio verde, este último na ordem dos 430 milhões de euros.
Acho que podemos perceber um verdadeiro cluster colaborativo.
De quem é que ainda não falamos?
Ainda não falamos das pessoas, das actividades, das associações, dos movimentos locais, dos proprietários de terras, das empresas que vivem naquilo que já foi caracterizado como "zona de sacrifício".
Todos eles têm um direito, constitucionalmente consagrado de participar efectivamente nas decisões da administração; esse direito manifesta-se através da possibilidade de participar na consulta publica das várias avaliações de impacte ambiental a que estes projectos têm sido sujeitos.
Manifesta-se ainda na possibilidade de recorrer aos tribunais pedindo a invalidade das decisões (administrativas) tomadas.
Sucede que, de um lado as consultas publicas são hoje, em Portugal, actos meramente formais, aos quais, autoridades como a APA não dão particular importância. O que é importante é cumprir esta parte do procedimento por forma a manter o acto final, no caso, a declaração de impacte ambiental, válida.
Acresce que a legislação comunitária sobre AIA foi quanto a nós, transposta para a legislação nacional de forma deliberadamente incorrecta, limitando e diminuindo os direitos dos cidadãos. A este propósito existem queixas na Comissão Europeia que visam a correcção da legislação portuguesa, colocando-a em linha com a legislação comunitária de avaliação de impacte ambiental.
Os procedimentos de avaliação de impacte ambiental também podem ser actos de exercício de democracia. Não em Portugal.
E isto acontece a par do frenesim de investimento que descrevemos.
Mas continuemos.
Do outro lado temos um sistema judicial que não dá respostas efectivas aos direitos dos cidadãos. Nem em tempo, nem em substância.
As decisões judiciais surgem sempre atrasadas relativamente ao desenvolvimento dos projectos e quando são suspensos, nomeadamente através de providências cautelares, esse efeito é destruído pelo facto de o Estado considerar todos estes projectos como de interesse publico. Quantas vezes mal explicado e quase sempre ligado ao dogma que se instalou. Uma verdadeira nova religião a que poucos conseguem resistir. Alterações climáticas, descarbonização, energia “verde”, elétrico em vez de combustão…
Há quem diga que a aceitação social é determinante para o sucesso dos projectos a que nos referimos.
Discordamos!
Com ou sem aceitação social estes projectos serão implementados. À força se necessário for. Porque a opinião das populações não tem qualquer importância perante o great scheme of things.
Milhares de hectares de terrenos agrícolas e de floresta estão a ser convertidos em terrenos para produção industrial de energia fotovoltaica.
A paisagem dos locais de implantação dos parques solares está em completa transformação. A famosa paisagem alentejana está a ser destruída, sendo substituída por imensas extensões de parques solares.
Ecossistemas estão a ser destruídos;
Espécies ameaçadas estão ainda mais ameaçadas;
Corredores ecológicos estão a ser interrompidos;
A erosão do solo está a acelerar em direcção à desertificação.
Muito sacrifício local para assegurar consumos muito distantes.
E se é certo que a construção dos parques solares tem merecido muita oposição das populações, a produção de hidrogénio tem passado muito desapercebida apesar de ter enormes impates, nomeadamente, ambientais.
Para produzir hidrogénio é necessária muita água... desmineralizada. Ora, embora a eletrólise consuma pouca água, a escala em que tal produção será feita (na ordem das dezenas de milhares de toneladas de H2) significa captar milhões de litros de água desmineralizada, para o que poderá vir a ser necessário construir uma dessalinizadora, ou reutilizar efluentes, isto para que o sector agrícola continue a ter disponibilidade hídrica.
O centro de dados também constitui um imenso impacte ambiental. O sistema de arrefecimento dos servidores far-se-á através de água do mar que será devolvida ao mar, quente, o que terá um impacte, pouco estudado, sob a vida marinha.
As comunidades locais têm sido completamente excluídas do processo decisório e estarão condenados a ver terrenos agrícolas ser substituídos por hectares e hectares de painéis solares.
A identidade local está a perder-se e não serão as esmolas dos "programas de responsabilidade social" como a que a Iberdrola prevê fazer em Santiago do Cacém com o fornecimento de energia às comunidades vizinhas do projecto solar Fernando Pessoa ou o apoio ao turismo local ou a fundação Galp que instalou painéis solares em associações de bombeiros da região, que compensarão os danos.
Chegados aqui percebe-se o título deste trabalho.
As mega centrais fotovoltaicas são uma consequência e não uma causa.
Perante o cenário que se descreveu e que tem muito pouco de opinativo, mas muito de factual não podemos deixar de concluir pela inevitabilidade das mega centrais solares, tão grandes quanto as necessidades dos projectos que alimentam.
No meu entender devemos também resistir ao argumento da compatibilização, da biodiversidade, do património cultural, das actividades agro-pastoris, do turismo, com o mar de painéis fotovoltaicos, subestações, linhas de alta e muito alta tensão. Esse argumento apenas servirá para abrir o caminho a soluções de compatibilização e de minimização que, como temos visto através dos vários estudos de impacte ambiental e declarações de impacte ambiental que se lhes seguem, não defendem, nem a biodiversidade, nem o património cultural, nem a pastorícia ou a agricultura, ou o turismo ou a identidade das regiões onde se implantam. Nem tudo pode ser compatibilizado com tudo. Menos para a APA.
Não perdendo de vista os projectos fotovoltaicos, alguns deles ou pelo menos os de maior dimensão, objecto de contestação judicial, há uma plataforma comum à qual, movimentos, associações, pessoas individuais, se devem associar o quanto antes.
A raiz de todo o mal em torno do qual todos devem unir-se é o hub de conectividade internacional de dados, o que justifica a construção de um megacentro de dados, bem como a ideia de que Portugal deve ser um produtor e um exportador de energia verde sob a forma de nitrogénio, um combustível com enormíssimos problemas e a vários níveis. Vejamos alguns:
O hidrogénio é extremamente inflamável e explosivo quando misturado com ar. Pequenas fugas podem gerar atmosferas explosivas, especialmente em espaços confinados.
O hidrogénio é incolor, inodoro e não tóxico, mas, por ser extremamente leve, dissipa-se rapidamente, o que dificulta a detecção de fugas antes que atinjam concentrações perigosas.
A armazenagem segura de hidrogénio requer tanques de alta pressão (até 700 bar), aumentando o risco de explosões em caso de falhas nos recipientes.
Depois há os constrangimentos ambientais.
A produção de hidrogénio verde, a partir de eletrólise da água, requer grandes quantidades de eletricidade. Se essa eletricidade não for proveniente de fontes renováveis, o balanço ambiental pode ser negativo.
A produção de hidrogénio verde em grande escala pode aumentar a pressão sobre os recursos hídricos, especialmente em regiões já afetadas pela escassez de água.
Finalmente há os riscos económicos.
Ao que estamos a assistir é à concentração de projectos gigantescos o que acarreta uma enorme exposição. Caso o mercado do hidrogénio não evoluir favoravelmente estaremos perante danos ambientais, também eles gigantescos, mas ao mesmo tempo perante uma estrutura subaproveitada.
Ou se o data center não encontrar todos os clientes que espera encontrar, o consumo energético é um encargo que pode tornar-se fatal.
E se, por algum acaso, algum destes projectos estiver exposto à volatilidade dos preços da electricidade, pode tornar-se inviável.
Há um outro grande argumento contra o modelo que está em implementação.
As assimetrias regionais são (ainda) mais acentuadas. A energia gerada no interior vai beneficiar sobretudo um polo industrial no litoral. E as comunidades do interior já estão em perda. Compensar esta assimetria pode não ser tarefa fácil e, até agora, a vontade política para o fazer, tem sido nenhuma.
Em conclusão. Como comunidade estamos a olhar para o sítio errado.
O que une o Juntos pelo Cercal, a Protege Alentejo, a Juntos pelo Divor e todos os movimento e associações que têm vindo a fazer oposição às mega centrais fotovoltaicas é o modelo de desenvolvimento que lhes está subjacente e é aqui que, no futuro, estas associações deviam concentrar-se, enquanto combatem judicialmente ou por outras formas, os projectos que estão junto da sua área de influência.
Rui Amores
Algarve, 06/04/2025
Assim de repente, ou nem tanto, o Alentejo transformou-se, de uma região periférica para uma região exportadora de energia proveniente do sol, região onde podem encontrar-se projectos fotovoltaicos de grande escala e que, de tão grandes que são, dependem da expansão e do reforço da rede elétrica para levar a energia produzida onde é mais necessária, ou melhor, onde se encontram os maiores consumidores. E é aí que entra Sines. Mas já lá iremos...
É no Alentejo que podemos encontrar projectos que já injectam energia na rede como é o caso da Akuo Energy com 181 MWp de capacidade e que se estende pelos concelhos de Monforte, Borba e Estremoz. São cerca de 336 mil painéis fotovoltaicos a injectar energia na rede desde 2024.
Há outros projectos verdadeiramente emblemáticos pela dimensão, pela energia que se propõem produzir e pelo impacte na infraestrutura já existente. Um bom exemplo é o da denominada Central Fotovoltaica THSiS que anuncia uma potência instalada de 1200 MW, afirmando ser a maior central solar da Europa e a quinta maior do Mundo. Só esta infraestrutura obriga a um reforço na infraestrutura electrica existente, dado que a Sul do país a rede electrica está completamente saturada face à potência fotovoltaica atribuída à região.
Os 1200 MW de capacidade na Central fotovoltaica THSiS obrigarão à construção de um novo eixo de muito alta tensão Ferreira do Alentejo - Vale Pereiro - Sines a 400 kV. Aqui se inclui a construção de uma nova subestação em Vale Pereiro e novas linhas duplas a 400kV ligando a Sines e a Ferreira do Alentejo.
Vamos agora até Sines, antes conhecida pela refinaria petroquímica e pelo porto de águas profundas, transmuta-se num centro de megaempreendimentos "verdes" e digitais.
O Centro de dados Sines 4.0 com uma capacidade de 1,2 GW de TI (capacidade para os servidores suportarem a carga de trabalho) cujo primeiro edifício já entrou em funcionamento, é prova desta transformação.
O projecto é anunciado como sendo 100% alimentado por energia renovável e arrefecido com água do mar, reduzindo assim o consumo de água doce, gerando, no entanto, outros problemas ambientais, muito relevantes e pouco estudados. Veremos isso mesmo mais adiante.
Este projecto irá necessitar de enormíssimas quantidades de energia, qualquer coisa como 4,770 GWh/ano, isto quando atingir a sua capacidade máxima o que equivale a quase 20% de toda a energia renovável produzida em Portugal durante o ano de 2022 e mais do dobro da energia solar produzida no mesmo ano.
Não por acaso este foi um projecto declarado como projecto de interesse nacional (PIN), essencialmente, para agilizar o licenciamento e foi projecto que conseguiu garantir com uma rapidez assinalável, acesso à rede elétrica nacional. A REN foi muito rápida a instalar duas novas linhas a 400kV até Sines e reforçou a subestação local, tudo para fornecer energia elétrica aos novos projectos.
Depois temos os vários projectos de produção de hidrogénio verde…
O GreenH2Atlantic que requer 100 Mw de eletrolisadores; o GalpH2Park que prevê uma unidade de 100 MW de eletrolise; o MadoquaPower2X, talvez o mais ambicioso, que prevê utilizar 560 MVA de electricidade renovável e numa segunda fase prevê utilizar 1400 MVA de potência electrica. Tudo para produzir, na fase, 50 mil toneladas de H2 e 300 mil toneladas de amoníaco por ano. O dobro disto, na fase 2.
A expansão portuária, nomeadamente, a expansão do terminal de contentores existente (Terminal XXI) ou a construção de um novo terminal, ou ainda, o prolongamento do molhe a leste para albergar as novas infraestruturas.
Embora não sejam grandes consumidores de energia a expansão do porto de Sines é fundamental para fazer sair do país os combustíveis verdes produzidos (amónia, hidrogénio liquefeito e combustíveis sintéticos). Mas também para acolher os novos equipamentos e os “data cables" que vêm do outro lado do Atlântico.
Em 2021 chegou a Sines o EllaLinka, directamente de Fortaleza, no Brasil num percurso de 6000Km.
Mas também há outras infraestruturas previstas para Sines e que necessitam doses maciças de energia como uma fábrica de produção de biocombustíveis avançados, através de um consórcio entre a Galp e a Mitsui e uma fábrica de processamento de lítio.
Em suma, Sines vira costas ao petróleo e ao carvão e abraça a economia digital e o hidrogénio, tudo ancorado num porto em crescimento.
Chegados aqui já estamos em condições de retirar a primeira conclusão.
O que está a acontecer no Alentejo interior e os projectos de Sines que acabamos de elencar, é algo intencional e crescente, com uma multiplicidade de entidades envolvidas ... menos as populações de ambos os locais, Alentejo interior e Sines.
Para que esta sinergia possa ocorrer, vários mecanismos têm de estar previstos e preparados.
A rede electrica deve estar reforçada e aqui a conclusão das linhas a 400kV até Sines é fundamental para canalizar a produção dos parques solares para os vários projectos de Sines.
Sines desligou a Central a carvão que tinha capacidade para produzir 1200MW. Obviamente que esta “lacuna” deve ser preenchida, através de geração de energia renovável proveniente de centrais fotovoltaicas como a Central THSiS.
Não há uma ligação directa entre os campos alentejanos de painéis solares e os variados centros de consumo, mas o reforço da rede electrica, já concretizado pelo REN, assegura que haverá energia disponível.
Ao reforço da rede junta-se os contratos de compra de energia verde (PPA's).
Por exemplo, o campus de dados Sines 4.0 anuncia ter acesso a energia 100% renovável 24horas por dia. Mas isso só acontece se a Start Campus celebrar vários contratos de longo prazo com produtores de energia eólica e solar. Ou seja, o que se verá nos próximos tempos é uma ligação comercial muito estreita entre as novas centrais fotovoltaicas e o centro de dados.
No caso da produção de hidrogénio verde as coisas são um pouco diferentes. Por exemplo, a MadoquaPower2X tem previsto desenvolver os próprios parques solares e eólicos, dedicados a produzir energia para as suas unidades de produção.
Outros projectos de produção de hidrogénio passarão por parcerias com empresas de produção de energias renováveis como a EDP Renováveis ou a Iberdrola.
Também haverá utilização de energia produzida localmente, em Sines ou muito perto. É o caso da Central fotovoltaica prevista para o Cercal do Alentejo e Morgavel e que vão alimentar a zona industrial de Sines.
Em termos gerais a ideia que parece estar subjacente a estes projectos é o alinhamento temporal e geográfico entre produção solar e as necessidades dos vários projectos.
Durante o dia a energia fotovoltaica em excesso na rede serve para produzir hidrogénio (armazenável), bem como para as cargas do data center.
À noite ou em picos de procura, outras fontes de energia renovável entram em acção (como a eólica).
Tudo isto tem um caracter prioritário, dado pelo Governo português e coordenado pelo sector das infraestruturas. A ideia tem sido aproximar produtores de energia e indústrias consumidoras.
Mas fica sempre alguém de fora.
O data centre de Sines 4.0 é PIN. Mas a obtenção do estatuto não veio sem polémica e, há quem diga, com crime à mistura.
A pressa em ligar o projecto à rede electrica nacional motivou o surgimento de pressões junto da REN. Esse é uma das vertentes do processo Influencer.
Com ou sem crime o que é facto é que há uma parceria, ainda que sub-reptícia, entre o Estado, a REN e os investidores, tudo com o objectivo de casar a oferta com a procura de energia renovável.
Já o hidrogénio é elevado ao grau de estratégia nacional. Existe uma estratégia nacional para o hidrogénio que em 2020 já destacava o "projecto de Sines" como uma oportunidade estratégica.
Há também aqueles que estão dos dois lados, ou seja, do lado dos projectos de Sines e do lado da produção de energias renováveis. É o caso da EDP que fazendo parte do consórcio do hidrogénio também opera na área dos parques solares sendo um dos maiores operadores do país, quer no solar como no eólico e podendo direccionar energia produzida no solar e no eólico para o projecto do hidrogénio.
O Start Campus é financiado pelos investidores internacionais Davidson Kempner e Pioneer Point que fizeram ou vão fazer parcerias com produtores de energias verdes.
Apesar de não ser publico não seria surpreendente descobrir terem sido assinados contratos com algum dos produtores da energia solar das redondezas. E a proximidade faz adivinhar um acordo entre a Start Campus e a Iberdrola / Prosolia para usar a energia produzida pelo megaparque solar Fernando Pessoa no concelho vizinho de Santiago do Cacém.
Outro caso em poderemos ver parcerias entre o projecto de hidrogénio e a produção solar é a Madoqua. Lembram-se que esta empresa, em conjunto com a CIP dinamarquesa e a Power2X holandesa pretende usar numa primeira fase, 560MVA de electricidade renovável, escalando para 1400MVA. Isto é muita energia "limpa" e que vai implicar, obrigatoriamente, ou a associação de produtores já existentes ou a criação de uma subsidiária própria para a geração de energia fotovoltaica e/ou eólica.
Mas o que motiva tudo isto?
A descarbonização e o plano nacional de energia e clima 2030 (PNEC2030).
Portugal assumiu no PNEC 2030 metas muito ambiciosas no que respeita a descarbonização. 47% de fontes renováveis no consumo final e vários gigawatts adicionais de solar e eólica instalados. Essa transicção só se fará com a substituição das fontes fosseis por fontes renováveis. É por isso que a Central a carvão de Sines foi encerrada em 2021 e o Alentejo passou a ser considerado crucial para a transicção.
Outra das preocupações que parece estar na base desta sinergia entre os projectos do litoral (Sines) e a produção de energia mais para o interior do Alentejo é a utilização de energia sem desperdício. Por um lado, Sines tem projectos mega intensivos em termos energéticos o que permite a utilização total da energia produzida nas centrais fotovoltaicas e no eólico. Digamos que poderemos estar em presença de um ecossistema perfeito. Geração de energia renovável no interior alentejano e utilização e armazenamento no litoral.
Outro factor a ter em conta é a estratégia nacional do hidrogénio (EN-H2) aprovada em julho de 2020 e que tenta afirmar Portugal como produtor e exportador de hidrogénio verde. Mais à frente no tempo, lá para 2050, o objectivo será usar o hidrogénio para descarbonizar redes de gás e industriais.
Outra conclusão a que podemos chegar é que de que sem produção de energia renovável não haverá hidrogénio verde.
Quem são os protagonistas desta ligação entre os projectos de Sines e a produção de energia fotovoltaica?
Desde logo as empresas de produção de energias renováveis como a Iberdrola/Prosolia com a sua futura central para produção de 1200MW.
A EDP renováveis;
A Galp que tem vindo a fazer aquisições na área do solar tendo já um portfólio considerável.
Outras como a Sunshinning, Enel GreenPower a Voltalia, entre outras.
A REN, responsável e peça central na gestão da rede elétrica nacional e peça central na construção de novas subestações e reforçando e construindo novas linhas elétricas.
O Governo, principalmente através do Ministério do Ambiente e da Acção Climática e o Ministério da Economia que definem a estratégia, atribuem o estatuto de PIN, aceleram licenciamentos...
A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) que faz avaliação de impacte ambiental de cada projecto;
A AICEP (agência do investimento) que através da AICEP Global Parques faz a gestão da zona industrial de Sines, capta investimento e promove sinergias.
Ao nível regional temos a CCDR Alentejo que tem estado completamente alinhada com a instalação de megaparques fotovoltaicos no seu território de influência, assim como os municípios de Santiago do Cacém, Sines e Ourique, cuja intervenção tem sido mais no sentido de pedinchar contrapartidas do que a avaliar o real impacte destes projectos nos respectivos municípios e actualizando os respectivos instrumentos de gestão territorial por forma a acolherem esta nova realidade da melhor forma possível em beneficio do seu território e das suas populações.
Finalmente e como grandes protagonistas destes projectos temos os promotores.
A Start Campus uma empresa luso-americana que lidera o projecto dos data centers e conta com investimentos financeiros internacionais muito substanciais.
O consórcio H2Sines/GreenH2Atlantic constituído pela EDP, a Galp, a Engie, a Bondalti, a Martifer, a Vestas numa combinação de utilities, indústria química e fabricantes de tecnologias, tudo com o objectivo de produzir H2.
Novamente a Galp, que também investe com outros parceiros como a Mitsui para produção de biocombustíveis.
O consórcio MadoquaPower2X que integra a startup portuguesa Madoqua, a sociedade de investimento dinamarquesa CIP e a holandesa Power2x.
Temos ainda a NeoGreen e a Repsol.
Finalmente temos os fundos de investimento ou os bancos como o BEI (banco europeu de investimento) que financiam projectos de produção de biocombustíveis e hidrogénio verde, este último na ordem dos 430 milhões de euros.
Acho que podemos perceber um verdadeiro cluster colaborativo.
De quem é que ainda não falamos?
Ainda não falamos das pessoas, das actividades, das associações, dos movimentos locais, dos proprietários de terras, das empresas que vivem naquilo que já foi caracterizado como "zona de sacrifício".
Todos eles têm um direito, constitucionalmente consagrado de participar efectivamente nas decisões da administração; esse direito manifesta-se através da possibilidade de participar na consulta publica das várias avaliações de impacte ambiental a que estes projectos têm sido sujeitos.
Manifesta-se ainda na possibilidade de recorrer aos tribunais pedindo a invalidade das decisões (administrativas) tomadas.
Sucede que, de um lado as consultas publicas são hoje, em Portugal, actos meramente formais, aos quais, autoridades como a APA não dão particular importância. O que é importante é cumprir esta parte do procedimento por forma a manter o acto final, no caso, a declaração de impacte ambiental, válida.
Acresce que a legislação comunitária sobre AIA foi quanto a nós, transposta para a legislação nacional de forma deliberadamente incorrecta, limitando e diminuindo os direitos dos cidadãos. A este propósito existem queixas na Comissão Europeia que visam a correcção da legislação portuguesa, colocando-a em linha com a legislação comunitária de avaliação de impacte ambiental.
Os procedimentos de avaliação de impacte ambiental também podem ser actos de exercício de democracia. Não em Portugal.
E isto acontece a par do frenesim de investimento que descrevemos.
Mas continuemos.
Do outro lado temos um sistema judicial que não dá respostas efectivas aos direitos dos cidadãos. Nem em tempo, nem em substância.
As decisões judiciais surgem sempre atrasadas relativamente ao desenvolvimento dos projectos e quando são suspensos, nomeadamente através de providências cautelares, esse efeito é destruído pelo facto de o Estado considerar todos estes projectos como de interesse publico. Quantas vezes mal explicado e quase sempre ligado ao dogma que se instalou. Uma verdadeira nova religião a que poucos conseguem resistir. Alterações climáticas, descarbonização, energia “verde”, elétrico em vez de combustão…
Há quem diga que a aceitação social é determinante para o sucesso dos projectos a que nos referimos.
Discordamos!
Com ou sem aceitação social estes projectos serão implementados. À força se necessário for. Porque a opinião das populações não tem qualquer importância perante o great scheme of things.
Milhares de hectares de terrenos agrícolas e de floresta estão a ser convertidos em terrenos para produção industrial de energia fotovoltaica.
A paisagem dos locais de implantação dos parques solares está em completa transformação. A famosa paisagem alentejana está a ser destruída, sendo substituída por imensas extensões de parques solares.
Ecossistemas estão a ser destruídos;
Espécies ameaçadas estão ainda mais ameaçadas;
Corredores ecológicos estão a ser interrompidos;
A erosão do solo está a acelerar em direcção à desertificação.
Muito sacrifício local para assegurar consumos muito distantes.
E se é certo que a construção dos parques solares tem merecido muita oposição das populações, a produção de hidrogénio tem passado muito desapercebida apesar de ter enormes impates, nomeadamente, ambientais.
Para produzir hidrogénio é necessária muita água... desmineralizada. Ora, embora a eletrólise consuma pouca água, a escala em que tal produção será feita (na ordem das dezenas de milhares de toneladas de H2) significa captar milhões de litros de água desmineralizada, para o que poderá vir a ser necessário construir uma dessalinizadora, ou reutilizar efluentes, isto para que o sector agrícola continue a ter disponibilidade hídrica.
O centro de dados também constitui um imenso impacte ambiental. O sistema de arrefecimento dos servidores far-se-á através de água do mar que será devolvida ao mar, quente, o que terá um impacte, pouco estudado, sob a vida marinha.
As comunidades locais têm sido completamente excluídas do processo decisório e estarão condenados a ver terrenos agrícolas ser substituídos por hectares e hectares de painéis solares.
A identidade local está a perder-se e não serão as esmolas dos "programas de responsabilidade social" como a que a Iberdrola prevê fazer em Santiago do Cacém com o fornecimento de energia às comunidades vizinhas do projecto solar Fernando Pessoa ou o apoio ao turismo local ou a fundação Galp que instalou painéis solares em associações de bombeiros da região, que compensarão os danos.
Chegados aqui percebe-se o título deste trabalho.
As mega centrais fotovoltaicas são uma consequência e não uma causa.
Perante o cenário que se descreveu e que tem muito pouco de opinativo, mas muito de factual não podemos deixar de concluir pela inevitabilidade das mega centrais solares, tão grandes quanto as necessidades dos projectos que alimentam.
No meu entender devemos também resistir ao argumento da compatibilização, da biodiversidade, do património cultural, das actividades agro-pastoris, do turismo, com o mar de painéis fotovoltaicos, subestações, linhas de alta e muito alta tensão. Esse argumento apenas servirá para abrir o caminho a soluções de compatibilização e de minimização que, como temos visto através dos vários estudos de impacte ambiental e declarações de impacte ambiental que se lhes seguem, não defendem, nem a biodiversidade, nem o património cultural, nem a pastorícia ou a agricultura, ou o turismo ou a identidade das regiões onde se implantam. Nem tudo pode ser compatibilizado com tudo. Menos para a APA.
Não perdendo de vista os projectos fotovoltaicos, alguns deles ou pelo menos os de maior dimensão, objecto de contestação judicial, há uma plataforma comum à qual, movimentos, associações, pessoas individuais, se devem associar o quanto antes.
A raiz de todo o mal em torno do qual todos devem unir-se é o hub de conectividade internacional de dados, o que justifica a construção de um megacentro de dados, bem como a ideia de que Portugal deve ser um produtor e um exportador de energia verde sob a forma de nitrogénio, um combustível com enormíssimos problemas e a vários níveis. Vejamos alguns:
O hidrogénio é extremamente inflamável e explosivo quando misturado com ar. Pequenas fugas podem gerar atmosferas explosivas, especialmente em espaços confinados.
O hidrogénio é incolor, inodoro e não tóxico, mas, por ser extremamente leve, dissipa-se rapidamente, o que dificulta a detecção de fugas antes que atinjam concentrações perigosas.
A armazenagem segura de hidrogénio requer tanques de alta pressão (até 700 bar), aumentando o risco de explosões em caso de falhas nos recipientes.
Depois há os constrangimentos ambientais.
A produção de hidrogénio verde, a partir de eletrólise da água, requer grandes quantidades de eletricidade. Se essa eletricidade não for proveniente de fontes renováveis, o balanço ambiental pode ser negativo.
A produção de hidrogénio verde em grande escala pode aumentar a pressão sobre os recursos hídricos, especialmente em regiões já afetadas pela escassez de água.
Finalmente há os riscos económicos.
Ao que estamos a assistir é à concentração de projectos gigantescos o que acarreta uma enorme exposição. Caso o mercado do hidrogénio não evoluir favoravelmente estaremos perante danos ambientais, também eles gigantescos, mas ao mesmo tempo perante uma estrutura subaproveitada.
Ou se o data center não encontrar todos os clientes que espera encontrar, o consumo energético é um encargo que pode tornar-se fatal.
E se, por algum acaso, algum destes projectos estiver exposto à volatilidade dos preços da electricidade, pode tornar-se inviável.
Há um outro grande argumento contra o modelo que está em implementação.
As assimetrias regionais são (ainda) mais acentuadas. A energia gerada no interior vai beneficiar sobretudo um polo industrial no litoral. E as comunidades do interior já estão em perda. Compensar esta assimetria pode não ser tarefa fácil e, até agora, a vontade política para o fazer, tem sido nenhuma.
Em conclusão. Como comunidade estamos a olhar para o sítio errado.
O que une o Juntos pelo Cercal, a Protege Alentejo, a Juntos pelo Divor e todos os movimento e associações que têm vindo a fazer oposição às mega centrais fotovoltaicas é o modelo de desenvolvimento que lhes está subjacente e é aqui que, no futuro, estas associações deviam concentrar-se, enquanto combatem judicialmente ou por outras formas, os projectos que estão junto da sua área de influência.
Rui Amores
Algarve, 06/04/2025
Assim de repente, ou nem tanto, o Alentejo transformou-se, de uma região periférica para uma região exportadora de energia proveniente do sol, região onde podem encontrar-se projectos fotovoltaicos de grande escala e que, de tão grandes que são, dependem da expansão e do reforço da rede elétrica para levar a energia produzida onde é mais necessária, ou melhor, onde se encontram os maiores consumidores. E é aí que entra Sines. Mas já lá iremos...
É no Alentejo que podemos encontrar projectos que já injectam energia na rede como é o caso da Akuo Energy com 181 MWp de capacidade e que se estende pelos concelhos de Monforte, Borba e Estremoz. São cerca de 336 mil painéis fotovoltaicos a injectar energia na rede desde 2024.
Há outros projectos verdadeiramente emblemáticos pela dimensão, pela energia que se propõem produzir e pelo impacte na infraestrutura já existente. Um bom exemplo é o da denominada Central Fotovoltaica THSiS que anuncia uma potência instalada de 1200 MW, afirmando ser a maior central solar da Europa e a quinta maior do Mundo. Só esta infraestrutura obriga a um reforço na infraestrutura electrica existente, dado que a Sul do país a rede electrica está completamente saturada face à potência fotovoltaica atribuída à região.
Os 1200 MW de capacidade na Central fotovoltaica THSiS obrigarão à construção de um novo eixo de muito alta tensão Ferreira do Alentejo - Vale Pereiro - Sines a 400 kV. Aqui se inclui a construção de uma nova subestação em Vale Pereiro e novas linhas duplas a 400kV ligando a Sines e a Ferreira do Alentejo.
Vamos agora até Sines, antes conhecida pela refinaria petroquímica e pelo porto de águas profundas, transmuta-se num centro de megaempreendimentos "verdes" e digitais.
O Centro de dados Sines 4.0 com uma capacidade de 1,2 GW de TI (capacidade para os servidores suportarem a carga de trabalho) cujo primeiro edifício já entrou em funcionamento, é prova desta transformação.
O projecto é anunciado como sendo 100% alimentado por energia renovável e arrefecido com água do mar, reduzindo assim o consumo de água doce, gerando, no entanto, outros problemas ambientais, muito relevantes e pouco estudados. Veremos isso mesmo mais adiante.
Este projecto irá necessitar de enormíssimas quantidades de energia, qualquer coisa como 4,770 GWh/ano, isto quando atingir a sua capacidade máxima o que equivale a quase 20% de toda a energia renovável produzida em Portugal durante o ano de 2022 e mais do dobro da energia solar produzida no mesmo ano.
Não por acaso este foi um projecto declarado como projecto de interesse nacional (PIN), essencialmente, para agilizar o licenciamento e foi projecto que conseguiu garantir com uma rapidez assinalável, acesso à rede elétrica nacional. A REN foi muito rápida a instalar duas novas linhas a 400kV até Sines e reforçou a subestação local, tudo para fornecer energia elétrica aos novos projectos.
Depois temos os vários projectos de produção de hidrogénio verde…
O GreenH2Atlantic que requer 100 Mw de eletrolisadores; o GalpH2Park que prevê uma unidade de 100 MW de eletrolise; o MadoquaPower2X, talvez o mais ambicioso, que prevê utilizar 560 MVA de electricidade renovável e numa segunda fase prevê utilizar 1400 MVA de potência electrica. Tudo para produzir, na fase, 50 mil toneladas de H2 e 300 mil toneladas de amoníaco por ano. O dobro disto, na fase 2.
A expansão portuária, nomeadamente, a expansão do terminal de contentores existente (Terminal XXI) ou a construção de um novo terminal, ou ainda, o prolongamento do molhe a leste para albergar as novas infraestruturas.
Embora não sejam grandes consumidores de energia a expansão do porto de Sines é fundamental para fazer sair do país os combustíveis verdes produzidos (amónia, hidrogénio liquefeito e combustíveis sintéticos). Mas também para acolher os novos equipamentos e os “data cables" que vêm do outro lado do Atlântico.
Em 2021 chegou a Sines o EllaLinka, directamente de Fortaleza, no Brasil num percurso de 6000Km.
Mas também há outras infraestruturas previstas para Sines e que necessitam doses maciças de energia como uma fábrica de produção de biocombustíveis avançados, através de um consórcio entre a Galp e a Mitsui e uma fábrica de processamento de lítio.
Em suma, Sines vira costas ao petróleo e ao carvão e abraça a economia digital e o hidrogénio, tudo ancorado num porto em crescimento.
Chegados aqui já estamos em condições de retirar a primeira conclusão.
O que está a acontecer no Alentejo interior e os projectos de Sines que acabamos de elencar, é algo intencional e crescente, com uma multiplicidade de entidades envolvidas ... menos as populações de ambos os locais, Alentejo interior e Sines.
Para que esta sinergia possa ocorrer, vários mecanismos têm de estar previstos e preparados.
A rede electrica deve estar reforçada e aqui a conclusão das linhas a 400kV até Sines é fundamental para canalizar a produção dos parques solares para os vários projectos de Sines.
Sines desligou a Central a carvão que tinha capacidade para produzir 1200MW. Obviamente que esta “lacuna” deve ser preenchida, através de geração de energia renovável proveniente de centrais fotovoltaicas como a Central THSiS.
Não há uma ligação directa entre os campos alentejanos de painéis solares e os variados centros de consumo, mas o reforço da rede electrica, já concretizado pelo REN, assegura que haverá energia disponível.
Ao reforço da rede junta-se os contratos de compra de energia verde (PPA's).
Por exemplo, o campus de dados Sines 4.0 anuncia ter acesso a energia 100% renovável 24horas por dia. Mas isso só acontece se a Start Campus celebrar vários contratos de longo prazo com produtores de energia eólica e solar. Ou seja, o que se verá nos próximos tempos é uma ligação comercial muito estreita entre as novas centrais fotovoltaicas e o centro de dados.
No caso da produção de hidrogénio verde as coisas são um pouco diferentes. Por exemplo, a MadoquaPower2X tem previsto desenvolver os próprios parques solares e eólicos, dedicados a produzir energia para as suas unidades de produção.
Outros projectos de produção de hidrogénio passarão por parcerias com empresas de produção de energias renováveis como a EDP Renováveis ou a Iberdrola.
Também haverá utilização de energia produzida localmente, em Sines ou muito perto. É o caso da Central fotovoltaica prevista para o Cercal do Alentejo e Morgavel e que vão alimentar a zona industrial de Sines.
Em termos gerais a ideia que parece estar subjacente a estes projectos é o alinhamento temporal e geográfico entre produção solar e as necessidades dos vários projectos.
Durante o dia a energia fotovoltaica em excesso na rede serve para produzir hidrogénio (armazenável), bem como para as cargas do data center.
À noite ou em picos de procura, outras fontes de energia renovável entram em acção (como a eólica).
Tudo isto tem um caracter prioritário, dado pelo Governo português e coordenado pelo sector das infraestruturas. A ideia tem sido aproximar produtores de energia e indústrias consumidoras.
Mas fica sempre alguém de fora.
O data centre de Sines 4.0 é PIN. Mas a obtenção do estatuto não veio sem polémica e, há quem diga, com crime à mistura.
A pressa em ligar o projecto à rede electrica nacional motivou o surgimento de pressões junto da REN. Esse é uma das vertentes do processo Influencer.
Com ou sem crime o que é facto é que há uma parceria, ainda que sub-reptícia, entre o Estado, a REN e os investidores, tudo com o objectivo de casar a oferta com a procura de energia renovável.
Já o hidrogénio é elevado ao grau de estratégia nacional. Existe uma estratégia nacional para o hidrogénio que em 2020 já destacava o "projecto de Sines" como uma oportunidade estratégica.
Há também aqueles que estão dos dois lados, ou seja, do lado dos projectos de Sines e do lado da produção de energias renováveis. É o caso da EDP que fazendo parte do consórcio do hidrogénio também opera na área dos parques solares sendo um dos maiores operadores do país, quer no solar como no eólico e podendo direccionar energia produzida no solar e no eólico para o projecto do hidrogénio.
O Start Campus é financiado pelos investidores internacionais Davidson Kempner e Pioneer Point que fizeram ou vão fazer parcerias com produtores de energias verdes.
Apesar de não ser publico não seria surpreendente descobrir terem sido assinados contratos com algum dos produtores da energia solar das redondezas. E a proximidade faz adivinhar um acordo entre a Start Campus e a Iberdrola / Prosolia para usar a energia produzida pelo megaparque solar Fernando Pessoa no concelho vizinho de Santiago do Cacém.
Outro caso em poderemos ver parcerias entre o projecto de hidrogénio e a produção solar é a Madoqua. Lembram-se que esta empresa, em conjunto com a CIP dinamarquesa e a Power2X holandesa pretende usar numa primeira fase, 560MVA de electricidade renovável, escalando para 1400MVA. Isto é muita energia "limpa" e que vai implicar, obrigatoriamente, ou a associação de produtores já existentes ou a criação de uma subsidiária própria para a geração de energia fotovoltaica e/ou eólica.
Mas o que motiva tudo isto?
A descarbonização e o plano nacional de energia e clima 2030 (PNEC2030).
Portugal assumiu no PNEC 2030 metas muito ambiciosas no que respeita a descarbonização. 47% de fontes renováveis no consumo final e vários gigawatts adicionais de solar e eólica instalados. Essa transicção só se fará com a substituição das fontes fosseis por fontes renováveis. É por isso que a Central a carvão de Sines foi encerrada em 2021 e o Alentejo passou a ser considerado crucial para a transicção.
Outra das preocupações que parece estar na base desta sinergia entre os projectos do litoral (Sines) e a produção de energia mais para o interior do Alentejo é a utilização de energia sem desperdício. Por um lado, Sines tem projectos mega intensivos em termos energéticos o que permite a utilização total da energia produzida nas centrais fotovoltaicas e no eólico. Digamos que poderemos estar em presença de um ecossistema perfeito. Geração de energia renovável no interior alentejano e utilização e armazenamento no litoral.
Outro factor a ter em conta é a estratégia nacional do hidrogénio (EN-H2) aprovada em julho de 2020 e que tenta afirmar Portugal como produtor e exportador de hidrogénio verde. Mais à frente no tempo, lá para 2050, o objectivo será usar o hidrogénio para descarbonizar redes de gás e industriais.
Outra conclusão a que podemos chegar é que de que sem produção de energia renovável não haverá hidrogénio verde.
Quem são os protagonistas desta ligação entre os projectos de Sines e a produção de energia fotovoltaica?
Desde logo as empresas de produção de energias renováveis como a Iberdrola/Prosolia com a sua futura central para produção de 1200MW.
A EDP renováveis;
A Galp que tem vindo a fazer aquisições na área do solar tendo já um portfólio considerável.
Outras como a Sunshinning, Enel GreenPower a Voltalia, entre outras.
A REN, responsável e peça central na gestão da rede elétrica nacional e peça central na construção de novas subestações e reforçando e construindo novas linhas elétricas.
O Governo, principalmente através do Ministério do Ambiente e da Acção Climática e o Ministério da Economia que definem a estratégia, atribuem o estatuto de PIN, aceleram licenciamentos...
A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) que faz avaliação de impacte ambiental de cada projecto;
A AICEP (agência do investimento) que através da AICEP Global Parques faz a gestão da zona industrial de Sines, capta investimento e promove sinergias.
Ao nível regional temos a CCDR Alentejo que tem estado completamente alinhada com a instalação de megaparques fotovoltaicos no seu território de influência, assim como os municípios de Santiago do Cacém, Sines e Ourique, cuja intervenção tem sido mais no sentido de pedinchar contrapartidas do que a avaliar o real impacte destes projectos nos respectivos municípios e actualizando os respectivos instrumentos de gestão territorial por forma a acolherem esta nova realidade da melhor forma possível em beneficio do seu território e das suas populações.
Finalmente e como grandes protagonistas destes projectos temos os promotores.
A Start Campus uma empresa luso-americana que lidera o projecto dos data centers e conta com investimentos financeiros internacionais muito substanciais.
O consórcio H2Sines/GreenH2Atlantic constituído pela EDP, a Galp, a Engie, a Bondalti, a Martifer, a Vestas numa combinação de utilities, indústria química e fabricantes de tecnologias, tudo com o objectivo de produzir H2.
Novamente a Galp, que também investe com outros parceiros como a Mitsui para produção de biocombustíveis.
O consórcio MadoquaPower2X que integra a startup portuguesa Madoqua, a sociedade de investimento dinamarquesa CIP e a holandesa Power2x.
Temos ainda a NeoGreen e a Repsol.
Finalmente temos os fundos de investimento ou os bancos como o BEI (banco europeu de investimento) que financiam projectos de produção de biocombustíveis e hidrogénio verde, este último na ordem dos 430 milhões de euros.
Acho que podemos perceber um verdadeiro cluster colaborativo.
De quem é que ainda não falamos?
Ainda não falamos das pessoas, das actividades, das associações, dos movimentos locais, dos proprietários de terras, das empresas que vivem naquilo que já foi caracterizado como "zona de sacrifício".
Todos eles têm um direito, constitucionalmente consagrado de participar efectivamente nas decisões da administração; esse direito manifesta-se através da possibilidade de participar na consulta publica das várias avaliações de impacte ambiental a que estes projectos têm sido sujeitos.
Manifesta-se ainda na possibilidade de recorrer aos tribunais pedindo a invalidade das decisões (administrativas) tomadas.
Sucede que, de um lado as consultas publicas são hoje, em Portugal, actos meramente formais, aos quais, autoridades como a APA não dão particular importância. O que é importante é cumprir esta parte do procedimento por forma a manter o acto final, no caso, a declaração de impacte ambiental, válida.
Acresce que a legislação comunitária sobre AIA foi quanto a nós, transposta para a legislação nacional de forma deliberadamente incorrecta, limitando e diminuindo os direitos dos cidadãos. A este propósito existem queixas na Comissão Europeia que visam a correcção da legislação portuguesa, colocando-a em linha com a legislação comunitária de avaliação de impacte ambiental.
Os procedimentos de avaliação de impacte ambiental também podem ser actos de exercício de democracia. Não em Portugal.
E isto acontece a par do frenesim de investimento que descrevemos.
Mas continuemos.
Do outro lado temos um sistema judicial que não dá respostas efectivas aos direitos dos cidadãos. Nem em tempo, nem em substância.
As decisões judiciais surgem sempre atrasadas relativamente ao desenvolvimento dos projectos e quando são suspensos, nomeadamente através de providências cautelares, esse efeito é destruído pelo facto de o Estado considerar todos estes projectos como de interesse publico. Quantas vezes mal explicado e quase sempre ligado ao dogma que se instalou. Uma verdadeira nova religião a que poucos conseguem resistir. Alterações climáticas, descarbonização, energia “verde”, elétrico em vez de combustão…
Há quem diga que a aceitação social é determinante para o sucesso dos projectos a que nos referimos.
Discordamos!
Com ou sem aceitação social estes projectos serão implementados. À força se necessário for. Porque a opinião das populações não tem qualquer importância perante o great scheme of things.
Milhares de hectares de terrenos agrícolas e de floresta estão a ser convertidos em terrenos para produção industrial de energia fotovoltaica.
A paisagem dos locais de implantação dos parques solares está em completa transformação. A famosa paisagem alentejana está a ser destruída, sendo substituída por imensas extensões de parques solares.
Ecossistemas estão a ser destruídos;
Espécies ameaçadas estão ainda mais ameaçadas;
Corredores ecológicos estão a ser interrompidos;
A erosão do solo está a acelerar em direcção à desertificação.
Muito sacrifício local para assegurar consumos muito distantes.
E se é certo que a construção dos parques solares tem merecido muita oposição das populações, a produção de hidrogénio tem passado muito desapercebida apesar de ter enormes impates, nomeadamente, ambientais.
Para produzir hidrogénio é necessária muita água... desmineralizada. Ora, embora a eletrólise consuma pouca água, a escala em que tal produção será feita (na ordem das dezenas de milhares de toneladas de H2) significa captar milhões de litros de água desmineralizada, para o que poderá vir a ser necessário construir uma dessalinizadora, ou reutilizar efluentes, isto para que o sector agrícola continue a ter disponibilidade hídrica.
O centro de dados também constitui um imenso impacte ambiental. O sistema de arrefecimento dos servidores far-se-á através de água do mar que será devolvida ao mar, quente, o que terá um impacte, pouco estudado, sob a vida marinha.
As comunidades locais têm sido completamente excluídas do processo decisório e estarão condenados a ver terrenos agrícolas ser substituídos por hectares e hectares de painéis solares.
A identidade local está a perder-se e não serão as esmolas dos "programas de responsabilidade social" como a que a Iberdrola prevê fazer em Santiago do Cacém com o fornecimento de energia às comunidades vizinhas do projecto solar Fernando Pessoa ou o apoio ao turismo local ou a fundação Galp que instalou painéis solares em associações de bombeiros da região, que compensarão os danos.
Chegados aqui percebe-se o título deste trabalho.
As mega centrais fotovoltaicas são uma consequência e não uma causa.
Perante o cenário que se descreveu e que tem muito pouco de opinativo, mas muito de factual não podemos deixar de concluir pela inevitabilidade das mega centrais solares, tão grandes quanto as necessidades dos projectos que alimentam.
No meu entender devemos também resistir ao argumento da compatibilização, da biodiversidade, do património cultural, das actividades agro-pastoris, do turismo, com o mar de painéis fotovoltaicos, subestações, linhas de alta e muito alta tensão. Esse argumento apenas servirá para abrir o caminho a soluções de compatibilização e de minimização que, como temos visto através dos vários estudos de impacte ambiental e declarações de impacte ambiental que se lhes seguem, não defendem, nem a biodiversidade, nem o património cultural, nem a pastorícia ou a agricultura, ou o turismo ou a identidade das regiões onde se implantam. Nem tudo pode ser compatibilizado com tudo. Menos para a APA.
Não perdendo de vista os projectos fotovoltaicos, alguns deles ou pelo menos os de maior dimensão, objecto de contestação judicial, há uma plataforma comum à qual, movimentos, associações, pessoas individuais, se devem associar o quanto antes.
A raiz de todo o mal em torno do qual todos devem unir-se é o hub de conectividade internacional de dados, o que justifica a construção de um megacentro de dados, bem como a ideia de que Portugal deve ser um produtor e um exportador de energia verde sob a forma de nitrogénio, um combustível com enormíssimos problemas e a vários níveis. Vejamos alguns:
O hidrogénio é extremamente inflamável e explosivo quando misturado com ar. Pequenas fugas podem gerar atmosferas explosivas, especialmente em espaços confinados.
O hidrogénio é incolor, inodoro e não tóxico, mas, por ser extremamente leve, dissipa-se rapidamente, o que dificulta a detecção de fugas antes que atinjam concentrações perigosas.
A armazenagem segura de hidrogénio requer tanques de alta pressão (até 700 bar), aumentando o risco de explosões em caso de falhas nos recipientes.
Depois há os constrangimentos ambientais.
A produção de hidrogénio verde, a partir de eletrólise da água, requer grandes quantidades de eletricidade. Se essa eletricidade não for proveniente de fontes renováveis, o balanço ambiental pode ser negativo.
A produção de hidrogénio verde em grande escala pode aumentar a pressão sobre os recursos hídricos, especialmente em regiões já afetadas pela escassez de água.
Finalmente há os riscos económicos.
Ao que estamos a assistir é à concentração de projectos gigantescos o que acarreta uma enorme exposição. Caso o mercado do hidrogénio não evoluir favoravelmente estaremos perante danos ambientais, também eles gigantescos, mas ao mesmo tempo perante uma estrutura subaproveitada.
Ou se o data center não encontrar todos os clientes que espera encontrar, o consumo energético é um encargo que pode tornar-se fatal.
E se, por algum acaso, algum destes projectos estiver exposto à volatilidade dos preços da electricidade, pode tornar-se inviável.
Há um outro grande argumento contra o modelo que está em implementação.
As assimetrias regionais são (ainda) mais acentuadas. A energia gerada no interior vai beneficiar sobretudo um polo industrial no litoral. E as comunidades do interior já estão em perda. Compensar esta assimetria pode não ser tarefa fácil e, até agora, a vontade política para o fazer, tem sido nenhuma.
Em conclusão. Como comunidade estamos a olhar para o sítio errado.
O que une o Juntos pelo Cercal, a Protege Alentejo, a Juntos pelo Divor e todos os movimento e associações que têm vindo a fazer oposição às mega centrais fotovoltaicas é o modelo de desenvolvimento que lhes está subjacente e é aqui que, no futuro, estas associações deviam concentrar-se, enquanto combatem judicialmente ou por outras formas, os projectos que estão junto da sua área de influência.