Um dos nossos últimos posts andou em torno do data center de Sines e dos projectos de hidrogénio verde, bem como da energia necessária para que estas infraestruturas possam funcionar. Fizemos ou, pelo menos, tentamos fazer uma ligação entre estas infraestruturas e os mega parques fotovoltaicos, nomeadamente, a sul do Tejo.
Hoje vamos dedicar algum tempo, vejam bem, a cabos submarinos. A nossa intenção é perceber a relação entre o data center e o que está e o que vai acontecer num futuro não muito longínquo no que aos cabos submarinos respeita.
Neste momento, que se saiba, ou seja, da informação que é publica, chegam à nossa costa seis cabos submarinos. Vejamos rapidamente quais são e qual a sua funçã
Atlantis-2, cuja função é conectar a Europa à América do Sul e África. È um cabo muito velhote, tendo entrado ao serviço no ano 2000 e hoje faz metade do trabalho que deveria fazer. A idade pesa e quando se trata de informação digital, fibra óptica, a idade passa muito rapidamente.
Temos o Columbus-III, cuja função é a ligação entre os EUA, as Bermudas, a Europa (Portugal, Espanha e Itália). É um cabo "meio" atlântico. É importante para ligações EUA-Portugal-Europa, mas está a ficar para trás no que toca a capacidade.
Temos o EllaLink, que é a estrela da companhia. Faz a ligação direta entre Portugal e o Brasil. Foi inaugurado em 2021, tem uma alta capacidade, baixa latência. Foi uma jogada de mestre para Portugal ganhar peso no tráfego de dados transatlântico. Foi como que uma espécie de upgrade do Wi-Fi para fibra óptica, mas à escala global.
Temos o Equiano da Google. Este cabo liga a Europa (Portugal) a África (Nigéria, África do Sul e uns outros países africanos). É um cabo muito recente, instalado em 2023. Mais uma vez, Portugal como hub estratégico para África com a Google a investir de modo muito substancial.
Temos o CAM Ring / GLO-1 / SAT-3 / WACS (West Africa Cable System) que não é um ùnico cabo mas um sistema de diversos cabos que ligam África à Europa, muitos passando por Portugal ou pelas vizinhanças (Espanha). Estes cabos reforçam a posição de Portugal como porta de entrada africana para a Europa.
E finalmente temos o SeaMeWe-3 (ligação indireta) que liga Europa-Ásia-Austrália. Neste cabo Portugal não é uma ponta direta, mas beneficia em tráfego via outros nós europeus.
Para Portugal estes cabos são muito importantes por várias razões.
Uma ligação rápida entre Portugal e outros pontos do Mundo depende destes cabos. Sem eles voltaríamos ao tempo do pombo correio. Bom talvez seja um pouco exagerado, mas dá para perceber a ideia.
Possibilidade de instalar em território nacional os famosos data centers. Lembram-se do post anterior? São estes cabos que permitem os "cloud services" sendo que a Amazon, a Google e a Microsoft estão de olho em Portugal para aqui puderem instalar data centers.
Vários cabos ou um sistema de cabos a chegar à costa portuguesa fornecem redundância e resiliência. Parte-se um cabo, os russos que andam por aí ao largo da costa portuguesa, cortam um cabo, ou os chineses, ou um tubarão... Sim, os tubarões adoram cabos submarinos... Não faz mal ( não será bem assim). Há alternativa. Haverão outros que podem tomar o lugar daquele que foi danificado ... ou comido por um tubarão, ou danificado por uma âncora de um navio.
Outro aspecto muito importante é o facto de que estes cabos têm um grande potencial estratégico. Portugal é cada vez mais visto como hub digital atlântico.
Mas nem tudo é bom.
Os cabos chegam à nossa costa, cheiinhos de informação, informação essa que tem de ser distribuída. Aí começam os problemas. A nossa infraestrutura terrestre de distribuição de trafego vindo dos cabos submarinos é pouco mais do que uma merda.
Voltemos a Sines e aos cabos submarinos. O chamado Sines 4.0 da empresa Sart Campus tem como objectivo tirar o máximo partido dos cabos submarinos, especialmente aquele de que falamos antes, o EllaLink, aquele que liga Portugal ao Brasil e um outro que aparecerá num futuro próximo, o Equiano que fará a ligação para África, propriedade da Google.
Em Sines, os dados vindos, dos EUA, do Brasil e de outros lados do lado de lá do Atlântico, os dados serão armazenados, processados e distribuídos a clientes, europeus, americanos e africanos.
A ideia do data center de Sines (assim como grande parte dos data Centers) é mais rapidez, maior segurança (vamos ver ...) e mais barato.
Mas também é um data center que está a ser vendido como conseguindo implementar na circulação de dados uma latência ultra baixa, ou seja, ter os cabos por perto reduz o "lag", o tempo de transmissão da informação, o que para o cloud gaming (muito mais importante do que alguns possam pensar e uma verdadeira industria em que muitos estão a apostar), a inteligência artificial e o trading financeiro, são excelentes noticias.
Está a ser vendido como tendo uma escala gigante. E é verdade. Se não for o maior da Europa, será dos maiores. Serão centenas de megawats de energia electrica e hectares de servidores.
E, finalmente, está a ser vendido como sendo um projecto sustentável porque é um projecto "verde". Hoje em dia tudo o que tenha à frente a palavra "verde", tem o sucesso garantido. Sines tem Sol. Mas não é o Sol de Sines que é usado. É o sol absorvido pelos painéis solares, pelos quase 2 milhões de painéis solares que correspondem a quase tantas árvores arrancadas, instalados no concelho vizinho de Santiago do Cacém, mais concretamente em Vale de Água; Sines tem vento. Aqui, parece que é mesmo o vento de Sines, mais concretamente de Morgavel onde, para instalarem as pás para os moinhos eólicos, arrancaram mais de um milhar de sobreiros; e Sines tem uma costa com muita água que, ainda que salgada, servirá para arrefecer os servidores, evitando aquilo que é vendido como uma coisa fantástica. Vai evitar-se o uso de água potável para arrefecer os servidores. O que ninguém diz é que uma vez arrefecidos os servidores a água quentinha é devolvida ao mar, nesse mesmo estado. Quente. Alguém se preocupou com o impacte ambiental que esta parte do projecto irá ter? Claro que não. O que é necessário é ter um mega centro de dados, imaculado em termos ambientais, verde e, ainda assim, eficiente.
E porquê que é tão difícil contrariar esta quase divinificação do data center? Porquê que é tão difícil contrariar a ideia, perfeitamente criminosa, de que os mega parques solares são optimos porque vão descarbonizar e, em última instância, ajudar o planeta a não descambar para a aniquilação total?
Porque este projecto faz parte de um dogma que se instalou, na Europa e, em particular, em Portugal. O dogma do verde, das renováveis e, no que aos data centers diz respeito, o plano que uns iluminados elaboraram para o país de transformar isto naquilo que chamam um "hub digital atlântico". Porquê? Porque, bem ou mal, para o bem ou para o mal, temos uma posição geográfica tremenda, principio e fim da Europa, dependendo do sitio de onde se venha ou para onde se vá; e porque, quase inevitavelmente, os cabos submarinos vindos do outro lado do Atlântico têm de passar por Portugal. Assim sendo, um grupo de governantes iluminados e outros decidiram que "no matter what", isto (isto é Portugal) tem de se transformar em "hub digital atlântico", uma espécie de novo ouro do Brasil que, como veremos, neste ou noutros posts, tal como o ouro do Brasil, beneficiará mais uns do que outros. A alguns só trará prejuízo.
A construção de mega centros de dados transformará Portugal no ponto de entrada e redistribuição dos dados que vêm de outras partes do Mundo; supostamente vai atrair empresas com nomes estranhos e que se dedicam a coisas estranhas, como o gaming...os cloud services...as fintechs...a IA e por aí fora.
Ao mesmo tempo, supostamente, criam-se empregos qualificados criando uma verdadeira economia digital.
Antigamente tirávamos peixes do mar. Passaremos a tirar bites e bytes, distribuindo-os pelo resto da Europa. Tudo em grande.
Temos falado de uns iluminados que pensaram, no todo ou em parte, este novo plano para Portugal. Claro que tinha de haver um governo pelo meio. Os governos que governaram Portugal entre 2016 e 2019 criaram um conjunto de incentivos e elaboraram um conjunto de planos estratégicos que tiveram como principal objectivo modernizar a infraestrutura digital. Exemplo disso foi o - e desculpem os nomes perfeitamente impronunciáveis - Portugal INCoDe.2030.
Outros iluminados foram os que, um dia decidiram construir um data center em Sines. O chamado Sines 4.0. Join venture entre um Alemão, tinha de ser, chamado David Zimmer, CEO de uma empresa chamada Exa Infrastructure e um português, o Sr. Armando Martins.
Mais iluminados. O consórcio que construiu o EllaLink, que já vimos ser um dos principais cabos submarinos a chegar a Portugal e que apostou muitos milhões, próprios e provindos de fundos Europeus, na ideia de que Portugal iria transformar-se no tal hub atlântico de dados.
E para finalizar o rol de iluminados, os do costume. Google, Amazon e Microsoft que chegarm à conclusão de que instalar uma estrutura deste género fazia todo o sentido e, desde 2018, passaram a investir nesta ideia.
Onde antes se refinava petróleo vão agora refinar-se dados.
Pergunta: mas este plano não tem concorrentes? Não haverá outros locais na Europa que competem com Portugal para ganhar esta corrida aos centros de dados? É obvio que sim.
Espanha está de olho neste negócio. Madrid e Barcelona estão a investir milhões em data centers e em infraestrutura cloud. Têm uma vantagem relativamente a Portugal. Licenciam mais rapidamente.
A Irlanda está na corrida e não é de agora. Há muito que a Irlanda se dedica a este negócio dos data centers, a ponto disse ser ao mesmo tempo uma vantagem e uma desvantagem. Estão a ficar saturados. Em qualquer caso é um país a concorrer com Portugal.
A França é outro país a considerar, especialmente a zona de Marselha. Já lá têm uma carrada de cabos submarinos a chegar às costas de Marselha e têm empresas de peso a apoiar esta expansão. A Orange e a Equinix são alguns exemplos. A França tem um grande problema. Curiosamente em França a segurança politica e os ataques a este tipo de infraestruturas, são factores que diminuem a apetência dos investidores.
E finalmente os países do Norte da Europa como a Dinamarca, a Suécia ou a Finlândia. A grande vantagem destes países é o frio. Ao que parece têm electricidade barata, verde e há frio o que é optimo para arrefecer os servidores.
Ainda assim, estes países nórdicos não são concorrência para Portugal já que o nosso país tem como grande vantagem a sua posição atlântica e não tanto factores como o clima.
Como é que, quem pensa nestas coisas, vê as apostas a fazer para que, definitivamente, Portugal se posicione como um dos principais países da Europa em data centers e distribuição de dados vindos do outro lado do Atlântico, ou de locais que não EUA, como África. Um dos aspectos fundamentais é a energia barata e disponível como se não houvesse amanhã. Mega parques eólicos, mega centrais fotovoltaicas dedicados em exclusivo aos data centers.
Tenho boas noticias (ou más, dependendo do ponto de vista). Já existem. Os desgraçados do Cercal do Alentejo que vão ser confrontados com mais de 300 hectares de painéis solares junto das suas propriedades e negócios ou os desgraçados de Vale de Água que irão apanhar com qualquer coisa como 1 milhão e 900 mil painéis solares à porta, vão ser as vitimas desta visão estratégica para o país. A energia produzida nestes parques solares irão direitinhos e em exclusivo para o data center de Sines. E não vai chegar. Ainda vão necessitar de Morgavel e quem sabe se ficarão por aí.
Mas eis que à custa de uma visão, qual seja a de tornar Portugal num hub digital, várias e vastas áreas do nosso país são sacrificadas para que nelas se possa produzir a energia necessária que vai alimentar os servidores dos data centers, as Googles, as Microsoft, as Amazons, a inteligência artificial, e por aí fora.
Servirão os parques solares para aumentar a autonomia energética do nosso país? Que disparate. Claro que não. E nem a energia solar serve para uma coisa dessas... mas não se pode dizer a ninguém! Serve para baixar o preço da electricidade? Outro disparate. Se nós continuamos a comprar energia aos espanhóis sempre que o kW/h é mais barato no país ali do lado, do que a energia que se produz em Portugal, porquê que havíamos de achar que estas mega centrais vão fazer alguma coisa pelo preço da energia? Servem, com certeza para aumentar a segurança energética. É claro que não. Pois se ainda há dias tivemos um apagão que ainda ninguém conseguiu explicar, nem ninguém vai explicar porque as razões não podem ser ditas em voz alta sob pena da construção dogmática que se fez em torno das energias renováveis cair pela base.
Estes parques solares servirão, única e exclusivamente, para alimentar o data center de Sines. Beneficio para as populações, não é zero porque irá ser negativo. Será -10 ou -20... Beneficios para os concelhos, quase 0. Vão arrecadar umas migalhas do kW produzido, vão receber uns paineis solares para os edificios publicos, para as escolas, e vai ficar por aí. Verdadeiras migalhas em comparação com os danos que irão ser causados.
E tudo para nada e nada porque este plano vai falhar. Sobre as razões da falha, falaremos num próximo post que este já vai excessivamente grande.